quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Saudades



É impossível viver sem ela.
Cada fase da nossa vida por pior, mais difícil ou complicada que seja deixa saudade.

Do que você sente saudade?
Pra mim o mais fácil é dizer sobre o que eu não sinto.

Saudade de tanta coisa, de tanto sentimento, de tantas pessoas, de tantos momentos...
Saudades de coisas antigas, de coisas nem tão antigas, de coisas que não vivi e outras que talvez nem chegue a viver.

Saudade da época de criança.
Depois de ir para a escola, ficar na casa da avó, essa avó que foi como uma mãe pra mim e para os meus irmãos. Tanto de você há em mim, tanta falta você faz, embora a sinta por perto.
Cada detalhe, cada comida que você fazia, cada ensinamento, tudo, nada será esquecido, tudo tem o seu momento de prática.
Uma avó presente e um avô que só se tornou participativo depois de sua partida.
Nessa época também haviam natais e férias de Julho, outros avós compunham o elenco, tios, tias, primos e primas de longe, para comemorar em família momentos que nunca mais sairão da minha cabeça e por mais tempo que passe, não tem a capacidade de apagar laços construídos entre as pessoas dessa época.

Saudade do povo do bairro.
Brincar na rua, subir em árvore, correr, roupas de bonecas costuradas por minhas próprias mãos.
Saudade da mãe chamar no melhor da brincadeira, depois era banho e cama, para no outro dia ir para a escola.
Da escola não lembro muito, sempre deixei que o tempo cuidasse disso.

Saudade da adolescência divida em dois atos.
Ato 1
Colegas da escola, nessa época sim, me lembro, de meninos e meninas também. Chegar em casa, novela da tarde ou no portão falando de momentos que nunca nos cansávamos de repetir. O tempo aqui passava mais devagar.
Só perto da hora da mãe chegar que coisas eram arrumadas. Nessa época, família por mais próxima que esteja tem um papel secundário. As prioridades são outras.

Ato 2
Lugar diferente, turma diferente, pessoas diferentes, sentimentos também diferentes e isolamento.
Muito daquela época guardo até hoje, vontade de ficar quieta, na minha, introspecção.
Acho que foi nessa época que formei a minha parte cognitiva, mas a duras penas, aprendi que sendo sozinha há menos probabilidade de sofrer, aprendi que ser sozinha dá medo, medo de passar a vida sem viver.

Saudade do reencotro.
Reencontro com os lugares de outrora, a mesma rua, as mesmas casas (com poucas modificações), mas mesmo assim nada era igual.
Eu não era igual a quando parti, percebi que tudo pode ser como antes e ainda ser diferente, pois você já não é a mesmo, a visão das coisas e momentos não são iguais. E aí há a dor da perda, mas há também a alegria da renovação.
Novos amigos, novos costumes e um gostar diferente, intenso, que só muito depois fui saber que era parte de mim, talvez uma forma de amenizar o medo de passar pela vida sem viver.

Saudade da limitação
Saudade de aprender a estudar depois de tanto tempo “estudando”, saudade da força de pessoas que eram tão próximas que de certa forma ainda fazem parte de mim, pessoas que me ouviram, que riram comigo, que eu fiz rir e que me fizeram rir, pessoas que acreditavam em mim e nunca, em nenhuma das vezes me deixaram desistir, pessoas que me mostraram que eu sou capaz, capaz de vencer o cansaço, a falta de instrução, a falta de dinheiro, a falta de comer o mínimo que se quer.
Saudade de viver junto a todo o momento, de senti-los comigo sempre, mesmo distante.
Sinto saudade até dos finais de semana de limpeza e vazios, hoje vejo que não eram vazios os dias e sim as pessoas que quase, por um momento cheguei a pensar que elas que possuíam valor. Mas isso também é discutível, uma vez que valores são subjetivos, mas lamentei por muito tempo ter tido vontade de ser o que eu nunca tive vocação para ser, comum e conformada.
Hoje agradeço a todas essas pessoas que passaram pela minha vida, pois de uma forma ou de outra contribuíram para o meu crescimento e para o que hoje eu sou. Não a melhor que existe, mas a melhor que eu posso ser, hoje sou melhor que ontem e amanhã, melhor que hoje. Clichê? Pode até ser, mas nada além disso, expressaria tamanha verdade.

Saudade da maior decepção e dor que eu já senti.
Depois de tanta entrega e valores deturpados em minha mente, veio o fim, um fim desesperador. Talvez o que não houvesse fosse estrutura para suportar, mas como exigir estrutura de alguém que sempre foi criada na raça e na coragem, pessoas assim são instintivas. E aqui novamente senti a intensidade, pois com a mesma força que eu amei eu sofri, e por não suportar a dor parti, talvez tenha tomado a atitude errada, mas mesmo que tenha sido assim, hoje sei que foi a experiência mais gratificante da minha vida, não somente em termos financeiros, mas também para a estrutura que me faltava. Foi lá que eu comecei a construir.

Saudade da construção.
A dor era tamanha, a ponto de chorar por querer voltar e saber que aqui não seria menos sofrido que permanecer lá, então resolvi ficar, aproveitei!
E aqui novamente me deparo com a intensidade. Tudo lá se tornou intenso, pessoas diferentes que precisam além de estrutura física, estrutura moral, pessoas que significam muito pra mim, e que foram parte fundamental da minha construção, e sei que também significo muito para elas. Uma experiência profissional incrível que refletiu em todas as áreas da minha vida.
Lá eu aprendi que tinha que ser forte da mesma forma que eu era intensa, pois pessoas intensas precisam de força para suportar o que possa vir, necessitam de uma força com o mesmo valor da sua intensidade, pois se não for assim, não são capazes de se tornarem melhores do que antes, e tirarem lição de cada momento vivido.
Um período de ganho espiritual, não por indução de valores de outros aplicados a mim, um ganho a partir do crescimento e buscas diárias .
Um ganho intelectual imensurável, que até hoje não posso descrever, apenas acho que o potencial já estava em mim, só precisava da situação certa para que tudo isso passasse a fazer parte integrante de tudo que eu sou, surpreendentemente melhor.
Lá pude viver uma família que há tempos não vivia, pessoas do meu sangue que me ensinaram muito, uma vivência de amor, compreensão e dedicação. E a estas pessoas eu devo muito, agradeço pelos ensinamentos de vida, pelo amor e pela saudade que ficou.

Saudade da volta.
Saudade do fim de algo que já havia acabado há muito tempo, mas todos se acomodaram em viver assim.
Doeu ver o meu pai me deixar e não voltar, não voltar para o nosso colchonete na sala, e às vezes ainda dói as distâncias que não param de crescer, assim como o universo, uma imensidão, onde tudo que está inserido tenta estar próximo da melhor forma, do jeito que aprenderam e com a capacidade adquirida ao longo do tempo.
Eu sei que daqui surgiu minha falta de estrutura, dessa comodidade agora finalizada, mas aqui também surgiu algo igualmente importante a garra e a determinação. Estas pessoas jamais desistiram, estão sempre lutando, como todo mundo, mas ainda sim de uma maneira particular.
Cada pessoa tem aquilo que a vida moldou, e é bonito ver o que tempo faz com as pessoas que possuem tais características, a superação é parte integrante da rotina dessas pessoas.

Saudade da vontade de crescer.
Pegar tudo que se tem e partir, dói, mas não se devemos ser levados pela dor, ela está sempre presente, mas somos nós que em muitos momentos determinamos a sua intensidade.
Eu aprendi isso ao ter que suportar cada uma das dores que eu senti na vida, muitas doem até hoje, outras ainda preciso cuidar para que cicatrizem e há aquelas que talvez nunca deixarão de doer. Essas são marcas na alma, marcas que nenhuma pessoa é capaz de racionalizar, apenas sentir, marcas onde não podemos amenizar nada, só esperar para que em algum momento a cura chegue.
Nessa época eu sentia saudade de tudo que eu não vivi por considerar não ter tido oportunidade, o racional chegou ao seu ápice, minha autoconfiança melhorou muito aqui, e eu pude pensar em tudo que eu já havia vivido.
Fiz uma faxina em mim, tirei sentimentos, valores e pessoas que não mais me acrescentavam nada, tirei o pó de coisas que ainda de certa forma me serviam e sem pensar coloquei o que eu conquistei.
Vivi momentos calmos, momentos de autocontrole, momentos de crescimento e oportunidades de vivenciar coisas que sempre estavam em mim, que eu gostava só não sabia, momentos de revelação.
Muitas coisas me foram reveladas nessa época, pessoas, sentimentos e até mesmo uma nova de mim, com gostos, personalidade, estórias, tudo isso de uma maneira tão própria.
É inegável a diferença da pessoa de antes e a que agora habita em mim, depois do tempo ter passado.
Mas voltei de lá também, precisava viver o que eu sentia, precisava pagar para ver. Mais uma vez deixei tudo em nome do que gritava em mim. Inconseqüente? Não sei, prefiro dizer ousada.

Saudade do sonho de ser feliz
Voltei! Voltei para o mesmo lugar de antes, para o mesmo lugar de sempre.
Voltei para sentimentos inacabados, voltei para as vontades não satisfeitas.
Isso que foi o mais triste, querer viver o que eu considerava não ter vivido por falta de oportunidade, e constatar que nada foi feito pelo simples fato de eu não gostar, não gostar de sair, não gostar de papos fúteis, não gostar de perder tempo com coisas a toa.
Paguei caro, mas ainda sim não me arrependo, me arrepender por quê? Nada seria tão claro se eu não tivesse voltado mais uma vez, e acima de tudo se eu não tivesse retornado com a bagagem cheia de coisas que foram aflorando em mim pelo caminho.
Hoje eu sei, eu posso, posso o que eu desejar, pode até não ser tão fácil, já que a facilidade está atrelada a muitas coisas que não conseguimos somente com garra e determinação, mas para isso tentei desenvolver minha paciência, ela ainda não é suficiente para sobrepor minha ansiedade, mas já é maior do que no inicio.
Ansiedade! Palavra que tem a ver com ânsia, anseio. Ah! Isso eu tenho e muito. Por mais que eu negue, por mais que eu mostre força e indiferença em alguns momentos, eu anseio sim, tenho vontade, tenho muita vontade, vontade de ser feliz, vontade de fazer as coisas certas para que eu possa me realizar em todas as áreas da minha vida, por julgar que mereço, por julgar que pode ser assim e que na verdade deve ser assim. Mas o medo fruto de tudo que eu já vivi, fruto de todo sofrimento e dificuldades passados, transformam a ânsia em ansiedade, talvez uma relação não verídica, mas explicita. É claro que todo esse trajeto deixaria seqüelas e talvez a ansiedade seja a pior delas.
Aquela que sempre me faz ter receio de perder o que eu ainda não tive, e por intensidade, geralmente faz com que eu perca mesmo, e depois de tanto tempo passando por isso acho que calejei.
Muitas vezes penso que as coisas serão sempre assim, não por fraqueza, e sim na tentativa de guardar forças para continuar uma vida que ainda está no mínimo pela metade, com tantos sonhos e com tantas necessidades, que se torna impraticável uma pausa para cuidar disso. Isso será tratado durante o percurso com as possibilidades, e talvez com as perdas que se somem pelo caminho.


AE.26/08/2008 - AE

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