quarta-feira, 22 de maio de 2013

Coisas que eu só tenho coragem de contar a mim mesma.




Hoje eu te vi, no último instante antes de você subir na escada rolante.
Te vi de relance arrumando o cabelo. Óculos escuros, mochila, calça e blusa pretas, um corvo que veio voando e me causou ânsia, quis involuntariamente nesse momento colocar tudo para fora, sentimento, essa história e você. Mas não pude, não houve como, não pude escolher, assim como não tive a chance e nem o direito de te pedir para ficar.
Você subindo e eu passando, calça jeans, blusa branca e mochila amarela, um pouco mais de cor, diferente de você não escondia meu rosto, cansado e perturbado.
Tanta coisa mudou desde a última vez, exatos 120 dias.
As pessoas com quem moro não mais estarão comigo, decidi encontrar outras, encontrei, tudo certo, combinado, planejado. Mas algo clama em mim, essa inquietude e essa necessidade ambígua de ter quem eu amo perto e de estar na solidão da capital, na cidade mais movimentada desse país.
Comecei a pensar em voltar, troquei uma idéia aqui e outra ali, e tudo se arranjou como se ao desejar, de imediato já tivesse decido, e ao decidir, de imediato realizar.
Não posso querer-te aqui, não me permito a isso, coisa demais para esquecer e deixar para trás.
Te vejo hoje, em um dia não tão bom, em um dia de cansaço, rosto abatido e confusão em mim.
Quero ir, quero ficar, quero almoço de domingo em família quero a liberdade inspiradora dessa cidade.
Te quis, talvez te quero e o seu querer se foi quando soube disso. Você quis não querendo e se foi quando eu parti. Você se foi e o acaso hoje te colocou em minha frente arrumando o cabelo ao subir a escada, te colocou na minha frente todo de preto, tão escuro como a onda que me leva e tira de mim a intensidade.
Vou indo, levada pelos acontecimentos na serenidade e aceitação de quem entende que há momentos alegres e tristes, mas dentro de mim, onde quer eu vá haverá esse saber de que o que é aqui, será lá e em qualquer lugar. Uma vontade de colocar para fora em contraste com a inércia do mundo externo o meu caos interno. Ambíguos, antônimos. Dois mundos separados apenas pela minha pele. Vontade de romper essa barreira e sentir a liberdade, e a paz de ver tudo ali estirado ao chão, se misturando, uma alquimia mundana na calma de não sentir necessidade de ouvir essa voz ponderada com ar de responsável que habita em mim querendo que eu siga algumas convenções que cresci achando que eram certas, que amadureci acreditando que era o que eu precisava fazer, mas quero irromper, ultrapassar, transpor, transcender, estar em mim e realizar o que eu desejo o alívio externado quando eu escrevo.
Eu sabia que você estava ali. Mas não olhei para trás, não quis saber se também me viu, se me olhava, te deixei subir da mesma forma que te vi partir, passiva e resignada.
Em mim encontro ânsias ambíguas e involuntárias. A fisiológica de colocar tudo para fora e a emocional de te querer perto em uma realidade que não é a que houve e nem a que há.
Te vi subir, de preto, óculos escuros e arrumando o cabelo.

AE.15/11/2013-LF

Um comentário:

  1. E então vemos alguém que fez parte da nossa vida passar, como não recordar as lembranças, como não sentir aquele gostinho de quero mais...

    Beijos

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